quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Era pra ser simples


Deus criou o mundo, ordenando o caos, dissipando as trevas e esculpindo os abismos. No final viu que tudo era bom.

Convidou o homem para co-criar e estabeleceu com ele uma aliança baseada em um único mandamento. A Bíblia fala de uma árvore e um fruto que jamais deveria ser comido e, enquanto Adão se mantivesse fiel a este tratado, tudo permaneceria em ordem e em absoluta harmonia. A natureza cumpriria seus ciclos com perfeição e precisão, sem jamais romper o limite do equilíbrio. Nem a morte existia, não que a eternidade fosse um fato, mas o conceito de morte como fim da vida, não havia no paraíso.

Em outras palavras foi assim que Deus fez: O Édem era um estado, para além de ser um lugar, um existir pleno em Deus e com Deus. A beleza e a abundância, ou equilíbrio, era apenas o pano de fundo do que realmente importava: Um ser-humano pleno em suas relações e interações sociais e espirituais.

Tudo que o homem precisava para alimentar seu corpo e sua mente estavam à sua disposição. Sua mente podia se deleitar em contemplar e usufruir a natureza e, a partir dela, perceber a visitação de Deus todos os dias de sua existência, não por coincidência era ao cair da tarde que Deus visitava o homem, certamente porque era o momento onde o trabalho cessava, o cultivo e a manutenção do jardim era interrompido, e restava a contemplação e o gozo da criação continuada e progressiva de Deus a partir das mãos do homem. Ao contemplar e adorar em comunhão com sua mulher (a família), o homem se sentia diuturnamente visitado pelo Criador.

Mas havia um saber que ao homem foi recomendado não buscar, o saber curioso de entender aquilo que era apenas para contemplar. A sede de querer ser como o Criador, entendê-lo, explicá-lo, reproduzi-lo e reordenar a criação. Esse saber tiraria do homem seu equilíbrio com os mistérios eternos e lhe encarceraria no tempo, na limitação da vida material e na angústia da finitude. "Não queira este saber, pois no dia em que decidires que a contemplação não lhe satisfaz e desejares a razão e a ciência como respostas às suas sedes existenciais, neste dia, começareis a morrer" - Disse Deus.

Adivinhem só. O homem escolheu comer o fruto proibido. O fruto que não nasce no pé, nasce no coração. Um fruto que não se come com a boca, mas com o pensamento. Se eu pudesse dar um nome para a árvore onde nasce esse fruto abominável eu a chamaria de Porqueira: árvore que dá "Por quês"; ou a chamaria de Caraminholeira, a árvore que dá caraminholas. Assim foi o pecado, veio de uma mente que começou a perguntar o porquê de tudo e se encheu de caraminholas.

Os filósofos da religião parecem estar certos. Cada vez que a razão concede respostas sobre o desconhecido, os deuses passam a perder sua relevância. Morrem os deuses psicológicos, mas também morre o Deus lógico (segundo a Tomás de Aquino: a causa primeira, necessária e imprescindível a todas as coisas). Morrem os deuses imanentes (aqueles que nascem da natureza e da substância das criaturas), mas também morre o Deus transcendente, aquele que se revela de fora para dentro, posto que está para além e sobre todas as coisas e todas as substâncias; mas que pode ser também imanente, pois "a substância divina é inerente à substância de todas as criaturas". Mal sabia o homem, que quando Deus morre para si, o homem morre para Deus, e este estado de morte espiritual se configura na expulsão do paraíso, que não é uma expulsão vingativa de Deus, mas uma expulsão consequente, anunciada e escolhida pelo homem. É a interpretação cósmica da parábola do filho pródigo.

Deus ordenou o caos e criou o mundo, o homem desordenou o mundo e recriou o caos. Agora o mundo e a criação gemem, e os místicos ficam buscando explicações espirituais e proclamando o juízo de Deus para explicar as catástrofes. Enquanto Deus, que morreu (Nietzsche estava certo, a razão matou Deus), está contraditoriamente impotente, posto que decidiu, pelo seu amor, deixar o homem livre. E o amor de Deus se tornou sua fraqueza, pelo fato de que sua escolha em amar livremente, não se interpõe à vontade do ser que Ele escolheu amar e deixar livre.

Como dizia o sábio: "Deus fez o homem simples, mas ele se meteu em muitas invenções".

Em Cristo, aquele que tem todo poder, mas não nos subjuga ao seu querer, porque nos ama.
Pastor Fabio Castro




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