sexta-feira, 27 de novembro de 2009

PEDI, PEDI E FICARÁS ESPERANDO...


Ele me pediu para orar a fim de ajudá-lo a conseguir um emprego. Legítimo pedido. Desde que tenha feito a sua parte e esteja pedindo a Deus para fazer aquilo que não podia fazer.


Sim, porque nem sempre estar preparado é o fator mais relevante nesses casos. Às vezes é preciso um pouco de sorte. Mas sorte não é um produto do acaso; sorte, como diria Amyr Klink, é a conjunção de dois fatores: competência e oportunidade. Talvez você tenha competência, mas precisa da intervenção de Deus para prover as oportunidades, já que esta sociedade é tão desigual.


Mas se seu caso é mais ou menos assim: Você não se planejou, não se preparou, não se qualificou, não se esforçou. Mas você ORA. E um outro alguém, diferentemente de você, se planejou, se preparou, se qualificou, se esforçou. Mas não ORA.


Você acredita mesmo que Deus vai premiar sua displicência apenas porque você é crente e punir quem se portou com excelência apenas porque é incrédulo?


Se sua fé é assim eu só posso chegar a uma conclusão: você tem muita fé, mas sua cara-de-pau é maior ainda.


Na verdade, você não insiste em orar porque muito crê, você insiste em orar por saber que lhe falta legitimidade.

Pense nisso!


quarta-feira, 25 de novembro de 2009

ANTES DE RESPONDER



A maior parte dos textos sagrados, especialmente os neotestamentários, nasceram de três estímulos básicos: as perguntas que iam surgindo na caminhada comunitária; as acusações feitas ao judaísmo/cristianismo pelos seus opositores e, por último; as heresias que acompanharam a popularização da fé.

Podemos concluir assim que estamos diante de uma literatura basicamente apologética; ou seja, a Bíblia é uma defesa da fé.

Mal comparando, ela não é como um manual explicativo, mas apenas aquela parte final dos manuais onde aparecem soluções para alguns tipos de problemas básicos e recorrentes, mas, no caso da Bíblia, aparecem apenas as soluções, sem o enunciado dos problemas. Logo a Bíblia apesar de ser a regra básica da fé protestante, ela não esgota a revelação. A revelação plena é a Palavra encarnada em Jesus. No entanto, o próprio evangelista João afirma que muito pouco do que Jesus fez e ensinou fora registrado no texto sagrado.

Daí a necessidade de se ter prudência antes de afirmar qualquer dogma ou doutrina sobre qualquer texto que seja. Posto que a revelação sobre a qual nos debruçamos consiste basicamente em respostas cujas perguntas, na maioria das vezes, desconhecemos. As ciências da interpretação (a exegese e a hermenêutica) nos ajudam a diminuir a nossa ignorância contextual e histórica.

Outro cuidado fundamental que o teólogo/pastor deve ter é com a atualização da revelação. Se entendemos que o texto sagrado nasceu de uma necessidade pragmática da comunidade; a teologia deve se submeter ao mesmo critério. Logo, fazer teologia não se limita a interpretar o texto, mas interpretá-lo para o momento presente. Para melhor entendimento podemos estabelecer duas definições para teologia: Teologia é o estudo sobre a revelação (e não o estudo de Deus); e, Teologia é a atualização da revelação (e não apenas sua interpretação).

Por exemplo: um amigo e irmão sinalizou algumas omissões minhas no post anterior, especialmente por eu não ter citado a importância do cristianismo na luta contra a escravização dos negros. Apenas destaquei como a teologia cristã legitimou os processos de discriminação racial baseando-se em distorções de interpretação dos textos sagrados. A crítica do irmão é oportuna e bem vinda porque, certamente, meu texto pode dar uma compreensão equivocada aos que, sem acesso a alguma outra fonte, leia apenas a minha abordagem; teriam estes a impressão de que a única participação do cristianismo nos processos de escravidão tenha sido negativa. Meu olhar pessimista não abrangeu o todo. Portanto é parcial.

Minha parcialidade, entretanto, se justifica na motivação e na intenção do texto, que não tinha a pretensão de dizer sobre o papel do cristianismo nos processos da escravização dos negros, mas dizia apenas das teologias cristãs que fundamentaram os argumentos que, durante séculos, legitimaram a abominável inferiorização da raça negra em relação aos brancos.

Do mesmo modo, interpretações de textos pontuais, transformaram o apóstolo Paulo no “pai do machismo”. Para além de usarem seus textos (parciais e específicos a um contexto) para imporem um legalismo de costumes às igrejas; o que Paulo jamais incentivou. Logo Paulo, o maior teólogo da graça e da liberdade cristã.

A tentação de responder perguntas que não foram feitas e tentar interpretar a Bíblia pela Bíblia, sem olhar a relevância do tema para o momento presente, é um estímulo e tanto para as baboseiras teológicas que enchem as prateleiras evangélicas. As pessoas estão em crise de casamento e os teólogos escrevem livros sobre o juízo final; filhos estão se perdendo e fazem seminários de prosperidade. A corrupção e a miséria se propagam, e fazem correntes de cura interior; a violência arrebenta a cabeça dos inocentes pela rua, e discutem se usar piercing é pecado.

Portanto, colegas pastores e teólogos, antes de escreverem seus livros, agendarem seus congressos, convocarem suas marchas pra Jesus e apresentarem seus programas de TV; lembrem da frase mais famosa do Galinho Chicken Little:

“Qual foi a pergunta?”

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

ANTES DE ME QUEIMAREM


Recebi boas críticas sobre o último post. Inclusive fui acusado de desconhecer a Bíblia quanto às informações relacionadas à migração dos filhos de Cão (ou Cam) para a África. Como se eu estivesse questionando a afirmação Bíblica. O que não é o caso.


Os que me conhecem sabem que dificilmente eu cometeria tal equívoco quanto a uma informação tão clara das Sagradas Escrituras. Então, para que não me chamem de herege, vou explicar minha indignação teológica quanto a esta informação:


Não questiono a informação de que os filhos de Cão povoaram a África. Está escrito!

Questiono, sim, a ideia de que a maldição de Noé esteja associada à cor negra da cútis africana e aos processos de escravidão que o Cristianismo avalizou.


A pele preta, segundo creio, está no DNA humano desde o Éden. Sua origem remonta o projeto original de Deus, e não uma suposta maldição posterior. E nada mais conveniente do que situar o Éden na África, para autorizar minha afirmação, vejam o link: http://www.cebi.org.br/noticia-impressao.php?noticiaId=133.


Crer diferente disso, especialmente para os fundamentalistas que me acusam de relativizar a Bíblia, seria descrer o criacionismo e submeter a teologia ao evolucionismo darwiniano. Crer que os filhos de Cão foram amaldiçoados, depois migraram para a África e depois adquiriram pele escura; seria afirmar que o homem evoluiu a partir de mutações, dependendo do ambiente onde habitou; o que não desejo descartar como hipótese; todavia os fundamentalistas que me resistem deveriam fazê-lo, para, por fim, abandonarem sua teoria “canina” como justificativa para a pele preta, a escravização e a pobreza dos africanos. É melhor admitir que produziu-se uma oportunista teologia racista.


Espero que esta breve ponderação ajude os escandalizados a me pouparem momentaneamente da fogueira; mas como não gosto de vida fácil, vou provocar outra vez:

O relato Bíblico, especialmente no Pentateuco, é uma transcrição das mais diversas tradições orais. A tradição oral pode sofrer variações de tempo, lugar e até de personagens.

Exemplos na Bíblia:


1) Temos duas tradições da criação; numa delas são criados macho e fêmea como um ato único de Deus; na outra o macho tem primazia em relação à fêmea.

2) Temos dois relatos de dilúvio. As quantidades de casais de animais salvos variam de um relato para o outro.

3) Abraão viaja duas vezes com Sara e é obrigado a mentir sobre sua relação conjugal. Os relatos são quase idênticos, não fossem as mudanças de local e personagens coadjuvantes.

4) Para o mesmo evento, narrado em Crônicas e em Samuel, Davi convoca o senso, ora instigado por Deus, ora pelo diabo; depende do escriba.

Considerando apenas os dois primeiros exemplos, poderíamos inferir que, no primeiro caso, uma sociedade patriarcal fez nascer um relato androcêntrico da criação, enquanto um relato mais popular não diferencia macho e fêmea no ato criador.


Do mesmo modo, uma tradição mais primitiva não distinguiria os animais em categorias de pureza para colocá-los na arca, esta consideração se aproxima bem mais das tradições sacerdotais posteriores. Vejamos que a lei que nomeia os animais como imundos ou puros é posterior ao êxodo, como este critério poderia ter estado presente no evento do dilúvio?


Admitindo que o relato escrito dista algumas centenas de anos do evento original, poderíamos assumir, com honestidade, que elementos da cultura e da sociedade do tempo onde o texto nasce, poderiam determinar adaptações ao evento original? Possivelmente.


Daí a opção de muitos teólogos de entender os relatos da pré-história bíblica (antes da formação de Israel como nação) como mitológicos; não porque sejam eventos fictícios, mas por serem relatos da interpretação socio-teológica do evento real, e não o evento histórico em si. (Existem, pelo menos, três possíveis tradições que explicariam as variações do texto do pentateuco: a Heloista, a Javista e a Sacerdotal).


Onde eu quero chegar?


Tudo que fiz até agora foi fundamentar a “heresia” pela qual os senhores me lançarão, sem piedade, na fogueira inquisitória do vosso evangelho “amoroso”, mas devagar com o fogo, deixa eu terminar...


Quando lemos a Bíblia, ingenuamente somos levados a crer que o texto é simultâneo ao evento (esta ingenuidade é uma dádiva e uma bênção bem-vinda para quem deseja ler com espiritualmente, mas perigosa para quem quer fazer teologia); a verdade é que, na maioria das vezes, o texto nasce para narrar eventos passados como tentativa de responder a demandas presentes. Por isso os eventos passados tendem a serem vestidos com roupas do momento presente, e por isso tornam-se mitológicos (eis a melhor definição que já ouvi sobre mito: “é uma verdade vestida com muitas roupas”).


Portanto, a ocupação dos continentes não se explica a partir do texto que diz para onde foram os filhos de Cão, de Cem ou Jafé; o texto é quem surge, posteriormente, para responder ao fato. Ou seja, quando o texto nasceu Israel já havia passado pela escravidão na África, e já enfrentava resistência dos povos árabes, mesopotâmios e dos hititas/europeus, entre outros; e não é de se admirar que, nos textos fabulosos das genealogias dos povos, Israel descende sempre daqueles sobre quem recaem as promessas de prosperidade e dominação, enquanto sobre os demais recaem as maldições e a submissão.


Me parece conveniente, se eu fosse hebreu e redator a Bíblia, que me apegasse a profecias/maldições que afirmassem que africanos, árabes, babilônicos e todos os meus inimigos históricos, devam se submeter a mim, simplesmente porque em algum lugar no passado, alguma profecia determinou o futuro dessa gente por toda era dos homens.


O problema é que, em algum momento, homens perversos, que nada tem a ver com a minha história sagrada, escravizariam os africanos e lançariam mão do meu livro sagrado, para justificar seus atos desumanos, e chamariam isso de teologia.


Eu digo que é uma interpretação racista, cínica e demoníaca. E reafirmo, contra todo dogma que tentar me silenciar. Se em algum lugar está escrito na Bíblia que a pobreza, a miséria e a escravidão de um ser humano é determinação divina, então o deus que determinou isto não é o Deus que se revelou a mim através de Jesus.


Tenho dito.

Agora podem acender a fogueira.


Fabio Castro

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

DONCOVIM?


“Senhor, queres que mandemos descer fogo do céu para os consumir? Jesus, porém, voltando-se os repreendeu e disse: Vós não sabeis de que espírito sois. Pois o Filho do Homem não veio para destruir as almas dos homens, mas para salvá-las” (Lc 9:54-56).

Minha avó materna, mineira e batista, foi quem jogou as primeiras sementes do evangelho em meu coraçãozinho pequenino ainda. A semente era batista, mas foi regada por águas pentecostais, cresceu em terras neopentecostais, reenxertou-se aos batistas no seminário teológico; depois aos metodistas, na faculdade de teologia; e por fim, floresceu presbiteriana, na IPJ.

Aqui estou eu, um mosaico evangélico. Apesar dos poucos 34 anos (é, eu não tenho 25 como você pensava) essa andança me oportunizou ler e ouvir as mais diversas mentes teológicas falando de Deus e em nome de Deus. Algumas coisas me alimentam a alma até hoje. Outras, eu bem que gostaria de vomitar pra sempre da minha lembrança; mas não só, gostaria mesmo era de pedir a Deus que mandasse fogo do céu para queimar certos autores junto com suas obras.

Não precisa me condenar pela intolerância, Jesus já fez isso nos versos citados acima. Na verdade Ele falava para Tiago e João, mas confesso que volta e meia me percebo no mesmo barquinho que os filhos do trovão. O barquinho dos sem-noção, que acham que Deus pensa como a gente pensa.

Um exemplo das coisas que desejo esquecer:

Já vi gente dizendo que os negros são originários de Caim. Sua cor seria a marca que Deus lançara sobre o filho de Adão para identificá-lo como o assassino de seu irmão Abel.

Como menino curioso, perguntei à tia da EBD, que me ensinava essa lição: “Mas se Noé e sua família eram descendentes de Sete, e não de Caim, como os negros sobreviveram ao dilúvio?” Ela me respondeu que isso fazia parte de uma outra história.

Então descobri um autor a dizer que os negros eram a descendência de Cão, o filho que foi amaldiçoado com servidão e humilhação por “abusar” da nudez do seu pai Noé. Ele, inclusive, se ocupou em demonstrar teorias migratórias, para provar que os filhos de Cão habitaram o continente africano. Quase acreditei, mas continuei “boladão” (é como adolescentes se sentem; adultos ficam apenas confusos). Minha dúvida persistia, porque não encontrei a resposta para a origem teológica dos olhos puxados dos japoneses, da pele vermelha dos índios, dos olhos azuis dos saxões e da pele morena dos polinésios. A teologia nunca se preocupou em encontrar uma maldição para explicar essas questões. Hoje quase chego à conclusão de que o teólogo que li devia, ele sim, ser filho de Cão, ou do Cão.

Fui percebendo que os teólogos adoram usar o nome de Deus para respaldar seus moralismos, sexismos, racismos, e todos os ismos preconceituosos que a sociedade construiu. Então deixei de procurar na Bíblia uma explicação para a cor da pele dos negros. Resolvi perguntar aos teólogos uma nova questão: “Onde está escrito que Deus criou o homem com pele branca? Não poderia ter sido Adão um belo negão?”

Bem, já deixei de ser adolescente há muito tempo, e ainda não achei na Bíblia de onde vieram os branquelos como eu. Como diriam os mineirinhos da terra de minha saudosa avó: doncovim, oncotô, proncovô?


Em Cristo, a origem, a razão e o destino de todos os homens e de todas as cores.

Fabio Castro

segunda-feira, 2 de novembro de 2009