sexta-feira, 30 de outubro de 2009

OS ICONOCLASTAS


Durante o tempo em que esteve exilado (sequestrado e escondido por Frederico, o Sábio), Lutero traduziu o Novo testamento (em 2 anos) e o velho testamento (em outros 10 anos). Corria a notícia de que ele havia morrido. Mas ele manteve contato escrevendo algumas vezes a alguns dos seus mais fiéis colaboradores, Carlstadt e Felipe Melanchthon.

Na ausência de Lutero, estes dois foram os principais condutores da obra protestante. O próprio Lutero era tão temente a Deus que hesitou em por em prática muitas de suas próprias ideias. Mas especialmente Melanchthon, preservava um temperamento muito diferente de seu mentor. Foi durante o exílio de Lutero que muitos monges e freiras deixaram os conventos e casaram-se. O culto foi simplificado e passou a ser celebrado em alemão, não mais em Latim. E Melanchthon ministrou a ceia com os dois elementos (pão e vinho) sendo oferecidos aos leigos.

Lutero, no início, via com bons olhos todas essas mudanças, mas quando Carlstadt e seus seguidores começaram a derrubar as imagens, Lutero recomendou moderação, e não demorou a abandonar o exílio, arriscando a própria vida, a fim de retomar o controle do movimento e conter seus amigos iconoclastas

Lutero era favorável às imagens e à mediação dos santos? Sim e não.

Na verdade, a teologia Luterana não só se opunha às indulgências e à penitência, como também desmontava a base teológica do culto às imagens e da mediação feita pelos santos ou mesmo pelo sacerdote, uma vez que cada cristão, na perspectiva luterana, mantém uma relação direta com Deus através apenas de Cristo. Configurava-se assim a doutrina do "sacerdócio universal de todos os santos".

Todavia Lutero era, sim, favorável a iconografia. A mensagem comunicada pelos ícones (imagens). Para ele a igreja não deveria perder a referência do exemplo de vida dos santos do passado e, por isso, o que deveria se abolir não eram as imagens, mas o papel mediador conferido a elas.

Vale lembrar que as posições teológicas de Lutero nem sempre foram as mesmas. No início ele chegou a afirmar que a Epístola de Tiago era palha e merecia ser queimada. Na 16a tese, por exemplo, ele se alinha à existência do purgatório, teologia que depois seria revista por ele mesmo. Na 58a tese, Lutero ratifica os méritos dos santos como capazes de operar salvação. Lutero reformula estes pensamentos muito tempo depois.

A construção teológica do protestantismo foi e é um devir. Não uma suma absoluta. Portanto é preciso compreender a processual mudança e amadurecimento da consciência do próprio Lutero, assim como de todos os teólogos protestantes.

É impossível, hoje, saber o que, de fato, foi obra de Lutero ou dos luteranos. Assim como seria leviano afirmar que os absurdos históricos do cristianismo sejam obras de Cristo.

Fato é que, como afirmou Justo Gonzalez, durante muito tempo Lutero foi, para alguns, "o bicho-papão que destruiu a unidade da igreja, a besta selvagem que pisou na vinha do Senhor, um monge renegado que se dedicou a destruir as bases da vida monástica. Para outros, ele é o grande herói que fez voltar, uma vez mais, a pregação do evangelho puro, o campeão da fé bíblica, o reformador de uma igreja corrompida".

Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. As coisas estão mais equilibradas. Poucos hoje duvidam da sinceridade de Lutero, afirma Gonzalez. Muitos católicos afirmam que o protesto do monge agostiniano foi justificável; do mesmo modo, os teólogos protestantes já não persistem em pintar Lutero como um "herói sobre-humano que reformou o cristianismo por si só e cujos pecados e erros foram de menor importância".

Lutero foi apenas um homem do seu tempo. Viveu como um homem, errou como um homem, se contradisse como um homem. Mas foi fiel e radical em viver tudo aquilo em que de fato acreditava, mesmo que tivesse que se retratar depois.

Sola Gratia, Sola Fidei, Solus Cristos, Sola Scriptura.
Amém


O JAVALI SELVAGEM


"A primeira coisa que peço é que as pessoas não façam uso do meu nome e não se chamem “luteranas”, mas “cristãs”. Quem é Lutero? O ensino não é meu. Nem fui crucificado por ninguém. ... Como eu, miserável saco fétido de larvas que sou, cheguei ao ponto em que as pessoas chamam os filhos de Cristo por meu perverso nome?" (Martinho Lutero - Timothy George. Teologia dos Reformadores - p. 55).

Lutero era um homem angustiado pelo medo do inferno. Temia a justiça de Deus, por se sentir o pior dos pecadores. Confessava-se várias vezes ao dia. Em certas situações, retornava ao confessionário antes mesmo que tivesse chegado à sua cela, depois de ter acabado de sair da última confissão. Temia ter esquecido algum pecado. Penitenciava-se e castigava o próprio corpo a fim de punir-se pelos erros tantos, mesmo os que sequer lembrava ter cometido. A justiça Divina lhe parecia tão implacável que ele chegou a se declarar incapaz de entender o amor de Deus, posto que, na verdade, sentia ódio de Deus.


Quando “descobriu” o texto de Romanos 1:17, Lutero foi iluminado pela consciência da Graça e da Justiça que vem apenas por meio da fé em Jesus, jamais das obras.


Desta sua nova consciência nasceu a crise que o levaria, mais tarde, a provocar a ira do Papa, para quem Lutero se tornou o “javali selvagem que pisoteou a vinha do Senhor”.


Enviado para Wittenberg, a fim de lecionar sobre as Sagradas Escrituras, Lutero logo se tornou o principal teólogo daquela cidade. A maioria dos padres, alunos e nobres de Wittenberg acolhiam suas idéias. Lutero já havia publicado muitos textos, inclusive outras teses sobre as indulgências, antes do famoso dia 31 de outubro. Por isso, ele jamais imaginou que as suas 95 teses pudessem resultar em tudo que já sabemos. Até porque, a última coisa que Lutero pretendia era se levantar contra a igreja que tanto amava.


Lutero era um filho apaixonado da igreja. Apesar das suas discordâncias teológicas, ele jamais questionou o caráter divino da noiva de Cristo, a Linda Donzela, como ele a chamava. Seus escritos revelam todo medo e preocupação que teve ao longo do processo de sua excomunhão. Temia estar sendo irreverente às autoridades constituídas por Deus. Foi por isso que, quando interpelado pelo sacro-imperador Carlos V, ele titubeou e pediu um tempo para pensar a resposta que daria.


É preciso esclarecer que a indignação de Lutero com a venda de indulgências se acentuou porque, naquele momento, o Papa Leão X, havia autorizado Alberto de Brandenburgo a vender tais documentos para levantar o montante de 10.000 ducados, que seriam investidos na construção da basílica de S. Pedro, no Vaticano.


O Clã dos Brandenburgo, já dominava algumas dioceses na Alemanha, mas desejava outras, para consolidar sua hegemonia no arcebispado germânico. O Papa consentiu, mas em troca exigiu os tais ducados. Diz a história que quando o vendedor de indulgências marchou em direção a Wittenberg, Lutero pintou uma faixa branca no chão, à entrada da cidade, e afirmou que Tetzel não passaria por aquela linha e jamais entraria lá. (Wittenberg preserva no seu acesso principal a dita cuja faixa pintada no chão).


Após ter sido intimado muitas vezes a retratar-se das coisas que escreveu, Lutero permanecia firme em suas posições. Para que não morresse, chegou a ser seqüestrado e escondido durante anos, por um príncipe alemão. Como as ordens de silenciar-se não eram acatadas por Lutero, o papa emitiu uma bula onde o excomungava e ordenava a queima de suas obras. Mas foi Lutero quem, ao receber tal documento, queimou-o em praça pública, decretando sua ruptura definitiva com a autoridade de Roma.


Pouco depois de romper com o papa, Lutero foi chamado para se retratar, agora diante do imperador. Havendo pensado durante dois dias, ele se apresentou ao tribunal imperial e reafirmou tudo que escrevera e dissera, concluindo sua defesa com a famosa frase: “Não quero nem posso retratar-me de coisa alguma, pois ir contra a consciência não é justo nem seguro. Que Deus me ajude. Amém”.


Durante algum tempo os príncipes católicos e os futuros príncipes protestantes costuraram alguns acordos de tolerância religiosa, até que uma dieta do império proibiu o culto independente dos feudos “Luteranos”. Os príncipes alemães então formalizaram um documento chamado “O Protesto”. E firmaram posição ao lado de Lutero. A força da nobreza alemã garantiu a marcha do cristianismo reformado; e estes novos cristãos passaram então a serem chamados de “os protestantes”.

O HALLOWEEN E A REFORMA


Dia 31 é o dia comemorativo da reforma protestante. A data remonta o dia em que o monge agostiniano Martinho Lutero fixou suas 95 teses contra as indulgências na porta da paróquia do castelo de Wittemberg, na Alemanha. Era o dia 31 de Outubro de 1517.


Não foi por acaso a escolha desta data.


Dia 1º de novembro é dia de todos os santos e dia 2 de novembro, dia de finados. Também não é coincidência que o Halloween seja comemorado no mesmo dia da reforma.


Ambas as datas foram motivadas pela crença (especialmente celta) de que, na passagem do dia 31 de outubro para o dia 1º de novembro, abria-se a passagem que comunicava o mundo dos vivos com o mundo dos mortos. Era o solstício do inverno europeu. Um tempo de dias sombrios, onde as mortes se multiplicavam devido ao impiedoso frio.


No caso do Halloween, parte da tradição se explica nos rituais antigos de culto aos mortos. As lendas celtas diziam que quando a passagem do mundo dos mortos se abria, os mortos vinham ara arrastar os vivos para o seu mundo. Então os vivos usavam de três artifícios para enganar, ou agradar os mortos. Um deles era vestirem-se de mortos, para se fazerem passar por um deles e não serem ceifados (daí a tradição das fantasias); o outro era oferecer banquetes aos mortos; mesas fartas eram postas nas casas, que ficavam abertas para os mortos entrarem e se saciarem dos manjares oferecidos (donde vem o “doce ou travessura”); por último, preparavam lanternas feitas de cabaças, para que os mortos pudessem iluminar o caminho e retornar ao seu próprio mundo (daí as abóboras iluminadas).


Já no caso da reforma, a venda de indulgências (documentos assinados pelo papa, que conferiam o perdão de pecados a quem os comprasse; e era poderoso até para retirar as almas do purgatório) alcançava o seu apogeu durante o solstício de inverso, pois em nenhuma outra data do ano a memória dos entes-queridos mortos estava tão presente. Jonh Tetzel, o vendedor dos tais papéis, dizia: “Ao tilintar da moeda no fundo do cofre, uma alma sairá do purgatório”. Chegou ao absurdo de afirmar que a cruz do vendedor de indulgências tinha tanto poder quanto a Cruz de Cristo e que quem comprasse uma indulgência seria mais puro do que quando saíra do batismo, ou mais do que Adão antes do pecado.


Era como vender chocolate na páscoa e brinquedo no dia das crianças. Mole-mole.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

"EXTRA MUNDI NULLA SALUS"


A pergunta foi: Haverá salvação fora da igreja evangélica?
Então vai a primeira resposta, outras virão.
Na verdade esta não é minha, pequei emprestada do meu xará Caio Fabio.

"Responda que há salvação até na igreja Evangélica, apesar de todas as suas absurdas e igualmente idolátricas e pagãs variáveis de pratica religiosa; em nada melhores que a igreja católica. Nunca evangelize “igreja”. A “igreja” não é a mensagem, é apenas um dos “meios”. Mas Deus é livre! A “igreja” não é uma Boa Nova para quem ainda não está em estado vegetativo. Mas Jesus é Vida pra qualquer ser humano! A salvação só está em Jesus. E Joel, reforçado por Pedro no dia de Pentecoste, nos diz que o Espírito se derrama sobre “toda carne”—inclusive, diz Deus:”...até sobre os meus servos e sobre as minhas servas...”. Bem, nós os que nos dizemos “os servos” estamos entre aqueles acerca dos quais Deus diz “até sobre...” Portanto, é para não se gloriar; afinal, não há de quê. Um beijão, Caio"

JESUS NO BAILE À FANTASIA


A pista estava bombando. A festa era à fantasia. Brancas de Neve, super-heróis, enfermeiras, piratas, sultões, bandidos mascarados e dragqueens se espalhavam pelo salão. Corpos sensuais agitando-se madrugada a dentro em busca de alguns instantes de prazer. Uma alegria que parece nascer do batidão do funk que treme o chão, das aventuras amorosas ilícitas, ou dos goles de vodka com limão.

As fantasias parecem mais revelar do que esconder; manifestam os desejos reprimidos das almas de cada um. Não precisam se esconder e nem se envergonhar dos pecados que fazem, pois, apesar de vestirem personagens diferentes, sabem que, suas vidas, são todas iguais. Quando o sol nascer, tudo voltará ao seu devido lugar. Nem máscaras, nem música, nem mágica.

Do outro lado do quarteirão os crentes oram. Uniformizados em seus ternos monocromáticos e nos vestidos longos beges e azuis. Tocam músicas que falam de Jesus. É como uma festa, mas chamam de culto, vigília, ou consagração...

Jesus caminha pela noite buscando um lugar onde possa pousar. Passando pelo primeiro salão ouve a música barulhenta e resolve entrar. Logo observa todas aquelas vidas bailando sob as luzes prateadas. Olhando os rostos mascarados percebe que a fumaça esconde todo tipo de sofrimento, solidão, tristeza e vazio. Constata que, por mais que tentem, não conseguem deixar de tropeçar, como quem anda de olhos vendados em meio a um vale pedregoso. Ele se compadece, mas resolve seguir o seu caminho.

Adiante ouve outra música barulhenta. Resolve entrar e leva um baita susto. Regressa à calçada e confere o letreiro da fachada. Sim! Era mesmo uma igreja; e tornou a entrar.

Ele se espantou porque descobriu que no culto também vestem fantasias. Os rostos trazem máscaras, as mais diversas. Por detrás das máscaras ele contempla casamentos fracassados, inveja, falsidade, amargura, fofoca, pornografia, adultério, mentira, etc.

Os ministros são tão hábeis quanto o DJ do baile à fantasia. Não podem deixar o ritmo da euforia ser interrompido. Precisam manter produção de endorfina, dopamina e noradrenalina em altas doses, capazes de superar as goladas de vodka gaseificada com limão e redbull.

Eles estavam tão entretidos quando Jesus entrou, que nem perceberam sua presença. Então ele foi ao palco e pediu a palavra, mas o ministro de música não lhe concedeu o microfone; e, quando conseguiu falar, Jesus não foi muito simpático (Não vou repetir o que ele disse, mas o evangelista Mateus registrou a conversa, lá no capítulo 23). Preferiu ir embora, pois torceram o nariz para ele.

Seguindo o som da música voltou ao lugar da primeira festa. Logo espalharam a notícia de que Jesus estava presente. E ele foi tratado como convidado de honra. Todos se admiravam da sua improvável e surpreendente presença, que foi alardeada pelos auto-falantes do salão. Quando ele pediu a palavra, todos fizeram silêncio, assentaram-se ao seu redor e ele contou apenas três histórias. Não vou repetí-las aqui, pois o evangelista Lucas registrou tudinho, lá no capítulo 15.

E Jesus preferiu passar a noite no baile à fantasia. Máscara por máscara, melhor aquelas que não mentem.


Fabio Castro
28/09/2009

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

DEIXE DEUS SER DEUS


Será que você também já não tentou ensinar Deus a governar sua existência?
"Deixe Deus ser Deus" (Martinho Lutero, séc XVI)

APRISCOS SEM PASTORES




Como se faz um pastor?
Cada denominação evangélica tem seus próprios critérios. Alguns mais rígidos, outros, nem tanto. Certos pastores se auto proclamam assim, convencidos de sua vocação, e afim de abrir a sua própria igrejinha (no bom sentido, por favor). O movimento pentecostal e neo-pentecostal, nem sempre condiciona a ordenação de seus pastores a avaliações acadêmico-teológicas, ao contrário do movimento protestante histórico, que preserva um grau de exigência razoável sobre a formação e o preparo intelectual do candidato ao ministério pastoral.

A não-formação acadêmica de muitos pastores, não tem a ver apenas com a explosão evangélica das últimas duas décadas, ou com a má fé dos lobos que se travestem de pastores para arrancar das pobres viúvas até as moedas que elas já não tem. Existe um elemento histórico por detrás deste processo.

A Eclesiologia brasileira é predominantemente um produto norte-americano. E a expansão evangélica tupiniquim em muito se assemelha às orígens do protestantismo ianque. Na América, na medida em que os comboios colonizadores adentravam o continente rumo ao oeste, iam surgindo pequenas comunidades de famílias protestantes que passavam a demandar a organização de igrejas e, consequentemente, a ordenação de pastores. Acontece que era impossível que o envio de pastores formados nos seminários europeus fosse capaz de atender a esta demanda.

Logo foram surgindo igrejas cujos líderes tinham a ordenação e autoridade legitimadas pela própria comunidade que os gestava. Este processo fez nascer também uma eclesiologia e uma liturgia mais independentes das matrizes protestantes europeias.

Esta relativa autonomia teológica e litúrgica acabou gerando um ambiente extremamente propício ao "avivamento" pentecostal ocorrido no final do século XIX e início do século XX naquele país.

Voltando ao Brasil: O caminho é parecido (e ao mesmo tempo diferente). Esta quebra de critérios e a ruptura com o academicismo teve outras motivações cá debaixo da linha do equador. Se lá, no país que nos coloniz... (ops!), nos evangelizou, a "des-formação" pastoral se deu pela urgência e pela crescente demanda de igrejas emergentes; aqui a legitimação da informalidade pastoral baseou-se na afirmação teológica da suprema autoridade da unção divina sobre qualquer preparo "humano", ou seja, acadêmico.

Claro que a academia não faz um pastor, pois é da vocação pastoral que o ministro seja conhecedor dos mistérios de Cristo e não se valha da sabedoria humana para conduzir o povo de Deus. Longe de mim querer anular o mistério e desautorizar quem quer que seja que tenha sido levantado pelas mãos do Altíssimo. Mas não posso fechar os olhos para o que aí está.

Lá,na América, as ovelhas clamavam por pastores, e legitimavam aqueles que a elas serviam como tal. Aqui, produz-se os pastores para que produzam ovelhas, e atinjam as metas e projetos expansionistas das mais diversas denominações.

Sendo assim, apesar da produção em atacado de pastores, bispos, apóstolos, vice-deuses, etc; o que temos é uma grande multidão cansada e aflita, como ovelhas que, na prática, não têm pastor. Isso porque o povo é tratado como gado, como massa, como número e estatística. Temos "pastores de rebanho, mas não pastores de ovelhas" (essa frase não é minha, mas queria que fosse).

Beira ao constrangimento a admiração das pessoas quando a elas é dada a oportunidade de falarem dos seus problemas e serem (em vez de reprogramadas pelos jargões e pelas respostas prontas das cartilhas de auto-ajuda evangélicas) simplesmente ouvidas, acolhidas, compreendidas e cuidadas, na singularidade do seus dramas. Parece até que pregamos, cá pela nossa comunidade, um outro evangelho, um outro Cristo, uma outra graça. Mas que não é outra, é so o evangelho.

Para por um fim neste meu histerismo indignado, desejo pontuar apenas três coisas, caso você se interesse por ler este blog:

1. Sou do evangelho, mas sinceramente, não sou evangélico;

2. Sou presbiteriano, mas Cristo, o único a quem sirvo e pretendo me manter fiel, não é;

3. Não sou frustrado, recalcado, ou ressentido. Mas se eu destilar alguma amargura por aqui, é pra tentar preservar a pureza do meu coração e dizer a mim mesmo que não fui vencido.

Bem vindo ao aprisco.
Fabio Castro

UM NOVO DEUS NO PEDAÇO

Pois mudaram a verdade de Deus em mentira, e honraram e serviram mais a criatura do que o Criador, que é bendito eternamente. Amém. (Rm 1:25)


“Não somos deste mundo!”. Esta afirmação, durante muitos anos, foi a frase predileta dos crentes. Com ela se justificava não só a abstnência evangélica a todo tipo de prazer “mundano”, como também o desapreço à cultura, à política e, em alguns casos, até à formação acadêmica. Ser crente era, sobretudo, desapegar-se da materialidade e romper com o mundo, em todos os sentidos.


Evidente que era um tempo de muito legalismo, tudo era proibido: música, dança, praia, futebol, short, maquiagem, festa, ou qualquer coisa que não fosse genuinamente feito em nome de Jesus. Vaidade era o pecado mais execrado nos sermões evangélicos; afinal de contas, tudo era vaidade.


Vide a música cristã. Nem todo ritmo e nem todo instrumento podia ser usado no culto; do solo de guitarra ao ritmo da bateria, quase tudo era do diabo, ainda que o mundo e sua plenitude fossem, desde sempre, criações de Deus.


Exageros à parte, aquele tempo legalista, com aquela música simples (as vezes de quinta categoria) vem despertando muita saudade em quem viveu o evangelho pré anos oitenta.


Começa a surgir uma crise protestante no Brasil. Esta crise de sentidos que ecoa nos arraiais evangélicos não parece ter tanto há ver com as mais diversas formas de expressão da igreja contemporânea; a discussão pesa, sobretudo, sobre o conteúdo. Lamenta-se, não pela invasão das guitarras, baterias, piercings, pranchas de surf e companhia limitada; lamenta-se predominantemente pela deturparção dos valores, da teologia e da própria consciência sobre Deus.


E, se existe, dentre todas as expressões do culto cristão, uma que mais transpareça esta subversão de valores, ela é, sem dúvida alguma, a adoração.


Diz-se que a teologia de uma igreja é conhecida por aquilo que ela canta, muito mais do que por aquilo que ela prega. Isto porque a forma individual com que um crente se relaciona com Deus é manifesta, inequivocadamente na sua expressão de adoração. Ali, na adoração, denuncia-se as intenções do coração.


Neste sentido, a música na igreja contemprorânea lamentavelmente revela com precisão o câncer materialista, individualista, egoista e utilitarista que se abateu sobre a mensagem evangélica desde a chegada da teologia da prosperidade no início da década de oitenta.


Percebe-se que o deus presente na adoração cristã não é mais o “Pai Nosso”, da oração que Jesus ensinou. Hoje cultua-se ao “Meu Pai”. Nasceu uma relação privada, particular e individual com Deus, regrada pelos desejos e pela ética igualmente privada e particular de cada indivíduo. Os cânticos contemporâneos estão longe de dizer: “seja feita a sua vontade”; preferem determinar, declarar e ordenar o agir de Deus. O “pão de cada dia” deu lugar às riquezas e às ambições materialistas mais diversas. Aqueles que afrontam um cristão, a quem, segundo o evangelho, se deveria dedicar perdão e misericórdia; nos cânticos de gerra evangélicos, ganharam contornos de inimigos que precisam ser pisados, vencidos e envergonhados diante dos “Justos do Senhor”.


Receio que não haja nem espaço, nem tempo, e muito menos proveito, em ficar propalando as mazelas desta nova onda evangélica. Parece recalque, raivinha. Fico por aqui. Mas para resumir afirmo: o problema da adoração na igreja contemporânea, não está na forma (posto que o que importa a Deus é que se adore em Espírito e em Verdade); mas sim no conteúdo; na essência e na motivação da própria adoração. Um dia adorou-se ao grande “EU SOU”, hoje restou apenas o grande “EU”, o novo deus do pedaço.

Em Cristo, diante de quem todo joelho se dobrará.

Fabio Castro