sexta-feira, 30 de outubro de 2009

O JAVALI SELVAGEM


"A primeira coisa que peço é que as pessoas não façam uso do meu nome e não se chamem “luteranas”, mas “cristãs”. Quem é Lutero? O ensino não é meu. Nem fui crucificado por ninguém. ... Como eu, miserável saco fétido de larvas que sou, cheguei ao ponto em que as pessoas chamam os filhos de Cristo por meu perverso nome?" (Martinho Lutero - Timothy George. Teologia dos Reformadores - p. 55).

Lutero era um homem angustiado pelo medo do inferno. Temia a justiça de Deus, por se sentir o pior dos pecadores. Confessava-se várias vezes ao dia. Em certas situações, retornava ao confessionário antes mesmo que tivesse chegado à sua cela, depois de ter acabado de sair da última confissão. Temia ter esquecido algum pecado. Penitenciava-se e castigava o próprio corpo a fim de punir-se pelos erros tantos, mesmo os que sequer lembrava ter cometido. A justiça Divina lhe parecia tão implacável que ele chegou a se declarar incapaz de entender o amor de Deus, posto que, na verdade, sentia ódio de Deus.


Quando “descobriu” o texto de Romanos 1:17, Lutero foi iluminado pela consciência da Graça e da Justiça que vem apenas por meio da fé em Jesus, jamais das obras.


Desta sua nova consciência nasceu a crise que o levaria, mais tarde, a provocar a ira do Papa, para quem Lutero se tornou o “javali selvagem que pisoteou a vinha do Senhor”.


Enviado para Wittenberg, a fim de lecionar sobre as Sagradas Escrituras, Lutero logo se tornou o principal teólogo daquela cidade. A maioria dos padres, alunos e nobres de Wittenberg acolhiam suas idéias. Lutero já havia publicado muitos textos, inclusive outras teses sobre as indulgências, antes do famoso dia 31 de outubro. Por isso, ele jamais imaginou que as suas 95 teses pudessem resultar em tudo que já sabemos. Até porque, a última coisa que Lutero pretendia era se levantar contra a igreja que tanto amava.


Lutero era um filho apaixonado da igreja. Apesar das suas discordâncias teológicas, ele jamais questionou o caráter divino da noiva de Cristo, a Linda Donzela, como ele a chamava. Seus escritos revelam todo medo e preocupação que teve ao longo do processo de sua excomunhão. Temia estar sendo irreverente às autoridades constituídas por Deus. Foi por isso que, quando interpelado pelo sacro-imperador Carlos V, ele titubeou e pediu um tempo para pensar a resposta que daria.


É preciso esclarecer que a indignação de Lutero com a venda de indulgências se acentuou porque, naquele momento, o Papa Leão X, havia autorizado Alberto de Brandenburgo a vender tais documentos para levantar o montante de 10.000 ducados, que seriam investidos na construção da basílica de S. Pedro, no Vaticano.


O Clã dos Brandenburgo, já dominava algumas dioceses na Alemanha, mas desejava outras, para consolidar sua hegemonia no arcebispado germânico. O Papa consentiu, mas em troca exigiu os tais ducados. Diz a história que quando o vendedor de indulgências marchou em direção a Wittenberg, Lutero pintou uma faixa branca no chão, à entrada da cidade, e afirmou que Tetzel não passaria por aquela linha e jamais entraria lá. (Wittenberg preserva no seu acesso principal a dita cuja faixa pintada no chão).


Após ter sido intimado muitas vezes a retratar-se das coisas que escreveu, Lutero permanecia firme em suas posições. Para que não morresse, chegou a ser seqüestrado e escondido durante anos, por um príncipe alemão. Como as ordens de silenciar-se não eram acatadas por Lutero, o papa emitiu uma bula onde o excomungava e ordenava a queima de suas obras. Mas foi Lutero quem, ao receber tal documento, queimou-o em praça pública, decretando sua ruptura definitiva com a autoridade de Roma.


Pouco depois de romper com o papa, Lutero foi chamado para se retratar, agora diante do imperador. Havendo pensado durante dois dias, ele se apresentou ao tribunal imperial e reafirmou tudo que escrevera e dissera, concluindo sua defesa com a famosa frase: “Não quero nem posso retratar-me de coisa alguma, pois ir contra a consciência não é justo nem seguro. Que Deus me ajude. Amém”.


Durante algum tempo os príncipes católicos e os futuros príncipes protestantes costuraram alguns acordos de tolerância religiosa, até que uma dieta do império proibiu o culto independente dos feudos “Luteranos”. Os príncipes alemães então formalizaram um documento chamado “O Protesto”. E firmaram posição ao lado de Lutero. A força da nobreza alemã garantiu a marcha do cristianismo reformado; e estes novos cristãos passaram então a serem chamados de “os protestantes”.

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