quarta-feira, 25 de novembro de 2009

ANTES DE RESPONDER



A maior parte dos textos sagrados, especialmente os neotestamentários, nasceram de três estímulos básicos: as perguntas que iam surgindo na caminhada comunitária; as acusações feitas ao judaísmo/cristianismo pelos seus opositores e, por último; as heresias que acompanharam a popularização da fé.

Podemos concluir assim que estamos diante de uma literatura basicamente apologética; ou seja, a Bíblia é uma defesa da fé.

Mal comparando, ela não é como um manual explicativo, mas apenas aquela parte final dos manuais onde aparecem soluções para alguns tipos de problemas básicos e recorrentes, mas, no caso da Bíblia, aparecem apenas as soluções, sem o enunciado dos problemas. Logo a Bíblia apesar de ser a regra básica da fé protestante, ela não esgota a revelação. A revelação plena é a Palavra encarnada em Jesus. No entanto, o próprio evangelista João afirma que muito pouco do que Jesus fez e ensinou fora registrado no texto sagrado.

Daí a necessidade de se ter prudência antes de afirmar qualquer dogma ou doutrina sobre qualquer texto que seja. Posto que a revelação sobre a qual nos debruçamos consiste basicamente em respostas cujas perguntas, na maioria das vezes, desconhecemos. As ciências da interpretação (a exegese e a hermenêutica) nos ajudam a diminuir a nossa ignorância contextual e histórica.

Outro cuidado fundamental que o teólogo/pastor deve ter é com a atualização da revelação. Se entendemos que o texto sagrado nasceu de uma necessidade pragmática da comunidade; a teologia deve se submeter ao mesmo critério. Logo, fazer teologia não se limita a interpretar o texto, mas interpretá-lo para o momento presente. Para melhor entendimento podemos estabelecer duas definições para teologia: Teologia é o estudo sobre a revelação (e não o estudo de Deus); e, Teologia é a atualização da revelação (e não apenas sua interpretação).

Por exemplo: um amigo e irmão sinalizou algumas omissões minhas no post anterior, especialmente por eu não ter citado a importância do cristianismo na luta contra a escravização dos negros. Apenas destaquei como a teologia cristã legitimou os processos de discriminação racial baseando-se em distorções de interpretação dos textos sagrados. A crítica do irmão é oportuna e bem vinda porque, certamente, meu texto pode dar uma compreensão equivocada aos que, sem acesso a alguma outra fonte, leia apenas a minha abordagem; teriam estes a impressão de que a única participação do cristianismo nos processos de escravidão tenha sido negativa. Meu olhar pessimista não abrangeu o todo. Portanto é parcial.

Minha parcialidade, entretanto, se justifica na motivação e na intenção do texto, que não tinha a pretensão de dizer sobre o papel do cristianismo nos processos da escravização dos negros, mas dizia apenas das teologias cristãs que fundamentaram os argumentos que, durante séculos, legitimaram a abominável inferiorização da raça negra em relação aos brancos.

Do mesmo modo, interpretações de textos pontuais, transformaram o apóstolo Paulo no “pai do machismo”. Para além de usarem seus textos (parciais e específicos a um contexto) para imporem um legalismo de costumes às igrejas; o que Paulo jamais incentivou. Logo Paulo, o maior teólogo da graça e da liberdade cristã.

A tentação de responder perguntas que não foram feitas e tentar interpretar a Bíblia pela Bíblia, sem olhar a relevância do tema para o momento presente, é um estímulo e tanto para as baboseiras teológicas que enchem as prateleiras evangélicas. As pessoas estão em crise de casamento e os teólogos escrevem livros sobre o juízo final; filhos estão se perdendo e fazem seminários de prosperidade. A corrupção e a miséria se propagam, e fazem correntes de cura interior; a violência arrebenta a cabeça dos inocentes pela rua, e discutem se usar piercing é pecado.

Portanto, colegas pastores e teólogos, antes de escreverem seus livros, agendarem seus congressos, convocarem suas marchas pra Jesus e apresentarem seus programas de TV; lembrem da frase mais famosa do Galinho Chicken Little:

“Qual foi a pergunta?”

Nenhum comentário:

Postar um comentário