terça-feira, 6 de abril de 2010

A Esperança não morreu


“Naquele mesmo dia, dois deles estavam de caminho para uma aldeia chamada Emaús, distante de Jerusalém sessenta estádios. E iam conversando a respeito de todas as coisas sucedidas. Aconteceu que, enquanto conversavam e discutiam, o próprio Jesus se aproximou e ia com eles. Os seus olhos, porém, estavam como que impedidos de o reconhecer” (Lc 24.13-16).


Normalmente é assim, as derrotas que a vida nos impõe vão, aos poucos, roubando a nossa capacidade de reconhecer o Cristo sempre presente na caminhada da vida. Quando perdemos a esperança, repousamos os olhos no passado e adormecemos numa escuridão saudosista de um tempo que não existe mais. E quando os olhos da fé se fecham para a novidade do evangelho, perde-se a capacidade de identificar a face de Deus, pois, na maioria das vezes, ele se embrenha entre os viajantes do caminho, se disfarça de sutilezas, coincidências e acasos, que nem parece tão poderoso assim. Se surgisse reluzente e esplendoroso saberíamos logo que é Deus, mas como se mistura na poeira da história, a gente não reconhece. Miramos a dor das nossas perdas e perdemos de vista os sinais da promessa da vida.


Restava-lhes a vida antiga na velha Emaús. E foi para lá que retornaram os discípulos da desesperança. De Cristo, levaram apenas as marcas do rosto desfigurado e ensanguentado.


A gente sempre acha que está preparado para tudo, mas às vezes o golpe é tão forte, que parece fatal. Quem está pronto para um diagnóstico terminal, para a perda de um ente querido, ou mesmo para alguns meses de desemprego? Quem estaria preparado para a ideia absurda de que Deus pudesse morrer?


Mas a vida é assim, nada é previsível, não há certezas nessa caminhada para Jerusalém. De fato, é mais seguro viver o passado, voltar a Emaús, pois de lá pinçamos apenas os fatos mais atraentes e felizes; “deletamos” as tristezas e fingimos que antigamente tudo era melhor.


Como olhavam para trás, foi para lá que Jesus foi com eles. Refez o caminho de Deus com os homens, desde Moisés. Aos poucos foram lembrando que as coisas nunca foram fáceis, que sempre houve sofrimento e dor. E que foram exatamente nos momentos mais difíceis da história que o braço forte do Eterno se ergueu sobre tudo e todos para abençoar o seu povo.


Lembraram certamente de Sansão, que na morte logrou mais triunfo do que em toda sua vida. Recordaram Jó, que só conheceu Deus depois que um vento varreu sua família, sua saúde e seus bens. Até que, por fim, o contador de histórias – que fazia seus corações arderem com seus contos de esperança – sentou-se com eles à mesa, e serviu-lhes um pão abençoado. Suas lembranças estavam, enfim, de volta à Jerusalém, ao cenário da Páscoa, onde o mestre repartira o pão e o vinho. Seus olhos abriram e perceberam que a Esperança não morreu; que nem a morte pôde silenciar o canto sempre vitorioso da Vida; e que toda história com Deus sempre termina em torno da mesa, com vinho e pão.


Se não for assim, é porque ainda não terminou, continue caminhando, não perca a esperança. Pois a Páscoa – que não é de chocolate – pode até começar com ervas amargas (Nm 9), mas sempre termina com um hino de esperança (Mt 26.30).


Em Cristo, o que vive e reina para sempre.

2 comentários:

  1. Amo esse texto dos discípulos de Emaús. Deus te abençoe pastor.

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  2. ''Se surgisse reluzente e esplendoroso saberíamos logo que é Deus, mas como se mistura na poeira da história, a gente não reconhece.'' caraca pastor, você conseguiu dizer algo tão poético e tão verdadeiro ao mesmo tempo...
    fica na Paz.

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